segunda-feira, 5 de março de 2012

O Castigo pelo bom comportamento

         Folheando alguns antigos livros de Português, encontrei uma história interessante e pitoresca, que de certo modo retrata muito bem algumas situações cotidianas, onde quem obedece, se dedica e se comporta corretamente é quem recebe o castigo.
         Isaura era uma mulher incrível, solícita, mãe de três filhos pequenos e sempre pronta a atender os caprichos do marido Josias.
         Josias, sabendo destas qualidades da mulher, usava e abusava da sua boa vontade, levando constantemente alguns clientes para jantar. E o pior é que ele chegava em cima da hora, sem avisar Dona Isaura, que tinha de dar os "seus pulinhos" no fogão para não fazer feio para as visitas e para o marido.
         Certa noite Josias chegou em casa com três clientes e recomendou à mulher um jantar especial.
         Enquanto eles bebericavam e conversavam na sala, Dona Isaura pôs-se a caminho da cozinha e abrindo a geladeira constatou que a carne e a sobremesa estavam no fim e não dariam para alimentar sua família e os visitantes.
         Aflita e buscando solucionar o problema sem constranger o marido, Dona Isaura teve uma idéia que pareceu-lhe a melhor solução.
         Chamou os três filhos e recomendou-lhes.
         -- Escutem aqui: o pai trouxe os amigos dele para jantar, a carne está no fim e não vai dar prá todo mundo; por isso, quando a mamãe oferecer bife à milanesa para vocês, não aceitem. Vejam bem: vocês não vão querer carne, mesmo que a mamãe insista. Certo?
         -- Certo, sim senhora, confirmaram os resignados filhos.
         Achando que se fizera entender perfeitamente, reforçou o bife com um grosso molho de parmesão e serviu o jantar.
         Durante todo tempo os meninos se comportaram como recomendado pela mãe, recusando a qualquer custo a oferta da carne.
         E Dona Isaura, para reforçar ainda mais a cena, retrucava diante de cada recusa. -- Vocês precisam parar de lambiscar antes das refeições; carne é super importante para o crescimento de vocês. Justo hoje que fiz a carne que vocês mais gostam...
         O jantar correu tudo bem, Isaura relaxou o seu estado interior e lembrou-se da sobremesa. Apareceu com um lindo pudim, o preferido da família e ao colocá-lo sobre a mesa e encarando os olhinhos brilhantes dos meninos, lembrou-se de ter feito a recomendação da recusa somente para a carne.
         Com certeza eles iriam avançar sobre o prato de doce, os amigos ficariam sem nada e o final do jantar não seria nada feliz. Já anteviu a tragédia.
         À hora de servi-lo, encarou os filhos: olhinhos arregalados e sorridentes, esperavam o doce como prêmio de bom comportamento e obediência.
         Num instante Dona Isaura dominou o ambiente e disse com firmeza para os filhos:
         -- Vocês digam boa noite e vão para o quarto já... já para a cama; é um castigo; quem não come carne não ganha sobremesa...

         Não quero nesta semana fazer qualquer interpretação da história, mas que é duro ser obediente e comportado e não ganhar nem a sobremesa, isto é.

            Nota.    Este texto é uma adaptação de uma história do livro Aspas, parênteses e reticências, de Lourdes Strozzi, Curitiba,1977.
            Qualquer semelhança com nomes, situações e acontecimentos terá sido mera coincidência.  

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